Número de roubos de carga na Baixada Santista é o maior em 20 anos; ocorrências subiram 150% em 2023
26/03/2024 - Roubo de cargas
Foram 602 casos no ano passado, segundo dados do governo de SP, maior marca da série histórica iniciada em 2001; pontos críticos são a ‘Curva da Onça’, na Serra do Mar, e o bairro da Alemoa, em Santos

O roubo de carga na região da Baixada Santista, onde está localizado o maior porto da América Latina e responsável por um quarto do comércio exterior do Brasil, deu um salto no ano passado. A maioria das cargas era transportada em caminhões que transitavam pelas rodovias da região ou aguardavam nas proximidades do Porto de Santos para embarcar ou desembarcar mercadorias.

Entre janeiro e dezembro de 2023, foram 602 registros de roubo de carga na Baixada Santista, segundo dados do site da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), que abrange 24 municípios da região. É um volume 156% maior comparado ao ano anterior. Também é a maior marca de ocorrências em mais de 20 anos, desde o início da série histórica, em 2001.

O roubo de carga nas cidades da Baixada iniciou este ano também em alta. Em janeiro, foram registradas 36 ocorrências, ante 31 no mesmo mês de 2023. É o maior resultado para um mês de janeiro desde 2019, quando houve 40 roubos de carga, apontam os dados oficiais.

A SSP-SP diz, por meio de nota, que está ciente dos indicadores da Baixada Santista e tem concentrado esforços para combater essa modalidade criminosa.

“A região tem características sazonais e geográficas únicas, que influenciam nos indicadores criminais, além de sediar o maior complexo portuário da América Latina. Mesmo assim, as forças de segurança têm atuado integradas, com uso de inteligência e tecnologia, para combater os roubos de carga.” A Pasta alega que, nas três principais cidades da região (Santos, São Vicente e Guarujá), houve queda de cinco ocorrências no primeiro mês deste ano, em comparação com janeiro de 2023.

No entanto, um estudo da consultoria ICTS Security, feito a pedido do Estadão, a partir dos dados oficiais da SSP-SP, mas com um recorte das cidades mais importantes da região, aponta uma taxa de crescimento ainda maior do roubo de cargas na Baixada Santista no último ano: 268,3%. Em 2023, foram 523 ocorrências de roubos de carga na cadeia logística, ante 142 em 2022.

Para chegar a esse resultado, foram selecionados nove municípios da Baixada mais ligados à região portuária: Santos, São Vicente, Praia Grande, Guarujá, Cubatão, Bertioga, Peruíbe, Mongaguá e Itanhaém. Também foram filtradas apenas as ocorrências na cadeia logística. Roubos de carga no transporte público, por exemplo, foram excluídos.

O diretor de Negócios da ICTS Security, Saulo Chaves, responsável pelo estudo, destaca que os roubos de carga na região ficaram mais frequentes a partir do segundo semestre do ano passado e que o avanço das ocorrências na Baixada Santista alterou parcialmente o ranking das cidades mais visadas no Estado de São Paulo.

Nos últimos dois anos, a capital paulista liderou o número de roubos de carga no Estado, com cerca de metade dos registros. Em 2022, por exemplo, Campinas, no interior do Estado de São Paulo, e São Bernardo Campo, no ABC Paulista, figuraram na lista das cinco cidades com mais roubos de carga no Estado, na quinta e na terceira posição, respectivamente, aponta o estudo.

No entanto, em 2023, Campinas e São Bernardo do Campo saíram das “cinco mais” e foram substituídas por dois municípios da Baixada Santista. Praia Grande, com 3,4% das ocorrências, e São Vicente (2,6%) passaram a ocupar quarta e quinta posições no ranking, respectivamente.

“A surpresa de 2023 foi ascensão forte da Baixada Santista”, diz Chaves. Em anos anteriores, observa, cidades da Baixada Santista nunca constavam entre as cinco com maior fatia nas ocorrências de roubo de carga. De toda forma, o consultor se diz ainda cauteloso. “Prefiro aguardar 2024 para ter um diagnóstico mais preciso se, de fato, a Baixada virou um problema.”

Sobre o fato de a capital paulista liderar o ranking de ocorrências, a SSP-SP diz por meio de nota que “tem reforçado o policiamento em pontos estratégicos e intensificado investigações para identificar e prender quadrilhas, inclusive de receptadores”.

Como resultado dessas ações, diz a nota, “a capital paulista registrou queda de 22,5% nos roubos de carga no primeiro bimestre de 2024 na comparação com o mesmo período do ano passado. Em todo o ano passado, 98 infratores foram presos em flagrante por crimes relacionados a carga e 113 inquéritos policiais foram esclarecidos pela Divecar ― divisão do Deic especializada em investigações desta natureza. Além disso, 81 pessoas foram presas em ocorrências desta natureza em janeiro deste ano em todo o território paulista”.

Somado a isso, diz a nota, “desde o último dia 8, cerca de 16 suspeitos de envolvimento com roubos de carga foram presos em ações realizadas pelas polícias Civil e Militar na Capital, e cargas avaliadas em mais de R$ 200 mil foram recuperadas”. “A ação mais recente aconteceu nesta quarta-feira (20), na zona sul, e resultou na prisão de 11 pessoas, bem como na recuperação de três veículos e duas cargas”, afirma.

‘Curva da Onça’ e a bairro da Alemoa

O estudo da ICTS, consultoria israelense que está desde 1995 no Brasil e tem como clientes transportadoras e grandes indústrias, aponta que a maior concentração de roubos é normalmente ao longo das rodovias Anchieta, Imigrantes e a BR-101. E essas ocorrências caem na conta dos municípios da região cortados por essas estradas, como São Vicente e Praia Grande. Juntas, as duas cidades responderam por quase 60% dos roubos de carga registrados na Baixada Santista no ano passado, segundo dados da SSP-SP.

O ponto mais crítico para a abordagem dos caminhões pelas quadrilhas é no trecho da Serra do Mar, mais especificamente no quilômetro 44 da rodovia Anchieta, batizado de “Curva da Onça”, segundo o coronel da reserva Mauro Ricciarelli, assessor de segurança da NTC&Logística. A associação reúne cerca de 400 transportadoras rodoviárias.

A “Curva da Onça” é muito fechada, como se fosse um cotovelo, descreve ele. Isso obriga os caminhoneiros a reduzir a velocidade praticamente pela metade ao percorrer esse trecho e cria a oportunidade para os assaltantes abordarem os motoristas.

O coronel Ricciarelli conta que normalmente a abordagem é feita por um bando de, no mínimo, dez pessoas, portando revólver, pistola e até fuzil. O motorista é rendido e o caminhão é parado no acostamento ou na própria pista. Em questão de minutos, a carga é saqueada e transferida para outro veículo ou carregada para as comunidades que margeiam a rodovia. “Normalmente, os roubos ocorrem em dias de semana e no período noturno.”

O coronel Ricciarelli observa que, no último ano, houve uma redução de 15% no número de ocorrências no trecho de serra. Em 2023, foram registrados 57 boletins nesse ponto do Sistema Anchieta/Imigrantes, ante 67 em 2022. “É lógico que tem subnotificação”, pondera o coronel, alegando que muitas vezes não é registrado boletim de ocorrência.

Apesar do recuo de roubos de carga nesse trecho, ainda assim, os dados indicam que, no ano passado, houve mais de um caso por semana no trecho de serra. De toda forma, o coronel Ricciarelli atribui a queda no número de ocorrências ao policiamento inteligente, baseado em dados, que direciona as viaturas policiais para os pontos mais críticos.

Além disso, argumenta que há outros fatores que contribuem para isso, como o fato de o trecho de serra estar iluminado e motoristas mais cuidadosos ao transitarem pela região. “Mesmo com aumento da frota circulante, a criminalidade tem sido reduzida”, ressalta o coronel, ponderando, contudo, que qualquer roubo de carga preocupa.

O bairro de Alemoa, na zona Noroeste de Santos, próximo ao cais do Porto, é outra área crítica para roubo de carga, apontam transportadores que atuam na região. Segundo eles, as abordagens aos motoristas de caminhões para roubar as cargas são frequentes.

Ao final do dia, muitos caminhoneiros costumam chegar a Santos com cargas destinadas à exportação. Como os terminais recebem as cargas no período diurno e mediante agendamento, os motoristas estacionam os veículos carregados nas três vias principais do bairro da Alemoa. Eles acabam pernoitando dentro do caminhão e viram alvo de assaltos.

“Todo mês tem de cinco a dez roubos, a maioria de carga”, conta um transportador que prefere o anonimato. Ele explica que há furtos de pertences dos caminhoneiros, como celular, mas muitas vezes os assaltantes levam o caminhão com a carga. Ele acrescenta que a carga mais visada para roubo é de açúcar cristal, chega a 90% dos casos, porque é mais fácil de desovar no mercado.

Em agosto do ano passado, por exemplo, um caminhão carregado de açúcar cristal da transportadora JMM, de Ribeirão Preto (SP), foi alvo de tentativa de roubo. O caminhão estava estacionado em uma das vias do bairro da Alemoa, aguardando para descarregar no dia seguinte.

Wellington Nunes, embarcador da empresa, conta que era noite e o motorista estava dormindo, esperando para seguir com a carga para o terminal. Ele foi abordado por dois assaltantes que quebraram o vidro da cabine e entraram na boleia do caminhão. “Tentaram levar o caminhão, mas não conseguiram porque tinha bloqueador no cavalo mecânico.” A carga estava avaliada em mais de R$ 180 mil.

Depois desse episódio, a transportadora passou a direcionar os caminhões para um pátio privado de estacionamento, que fica em Cubatão (SP). A pernoite no pátio custa entre R$ 120 e R$ 150. “Pagamos do bolso para evitar, mas a maioria dos caminhoneiros fica na rua”, diz Nunes.

Celular e TV viram alvo

Além de açúcar, as carnes, os tecidos e os eletrônicos são normalmente as cargas mais visadas no roubo, segundo Casemiro Tércio Carvalho, ex-presidente da Autoridade Portuária e sócio da consultoria 4Infra, especializada no setor portuário. Como esses produtos podem ser fracionados, isso viabiliza a rápida distribuição no mercado. “Se existe roubo, é porque existe receptador”, diz o especialista.

Mas o estudo da consultoria ICTS revela que o alvo das cargas mais roubadas na região da Baixada Santista mudou no último ano. Também fugiu do padrão mundial que é alimentos, combustíveis, produtos farmacêuticos, autopeças e materiais da linha têxtil.

No ano passado, o item número um de roubo de carga foram os eletrônicos (celular, notebook, TV), seguidos pelos eletrodomésticos da linha branca (geladeira, fogão, lavadora), produtos de grandes dimensões. Só depois vieram alimentos (carnes e bebidas) e itens não perecíveis. “A mudança de comportamento ocorreu em 2023 e chamou atenção”, diz Chaves.

Fonte: Estadão